Para escapar do recálculo do financiamento, devido à transferência do imóvel, muitos dos mutuários estão optando pelo chamado “contrato de gaveta”. Pelo sistema, o proprietário do bem negociado passa para outra pessoa a responsabilidade de arcar com as dívidas de financiamento. Porém, esse acordo pode trazer vários riscos para as duas partes.
Os “contratos de gaveta” tornaram-se uma prática muito comum entre vendedores e compradores de imóveis e, por consequência, também entre os mutuários.
O sistema ganhou força a partir da Lei nº 8.004/90, que estabelece o aumento de 20% na prestação financiada e de 2% no saldo devedor, além de exigir comprovação de crédito nas situações de transferência de imóveis.
Por conta disso, para comercializar a residência não quitada, o proprietário passou a oferecer o “contrato de gaveta” com o compromisso de que o comprador assuma o pagamento do restante do financiamento, sem proceder a alteração do nome do mutuário no cartório de registro de imóveis.
Depois de firmado o acordo, para que o adquirente (gaveteiro) obtenha a posse legal do imóvel, que será feita somente após a quitação do financiamento, o caminho é longo e o que parecia ser uma facilidade pode se transformar em armadilha. “É um contrato que tem validade somente entre as partes envolvidas.
No primeiro momento parece vantajoso, mas a prática esconde uma situação irregular perante a lei. Portanto, é considerado um negócio de risco elevado”, adverte Marco Aurélio Luz, presidente da Associação dos Mutuários de São Paulo e Adjacências.
Entre os principais perigos do negócio estão: a morte do dono legal da propriedade. Neste caso, o seguro por Morte e Invalidez Permanente (MIP) quita o bem em nome do herdeiro legal, e o novo proprietário pode ter problemas com a família do falecido, levando o caso a um longo embate jurídico. Primeiro, porque o início do processo de inventário, que assegura o direito dos descendentes, pode levar anos. Depois, porque há o risco dos herdeiros pedirem a anulação do acordo, já que, devido o falecimento do titular do bem, a procuração pública realizada entre o vendedor e comprador perde o valor.
Outra ameaça é o antigo dono do imóvel vender novamente a propriedade ou o gaveteiro repassar o contrato a terceiros. Como não há registro formal do acordo no cartório, pode haver má fé entre as partes.
O adquirente ainda fica condicionado ao aumento das prestações, que são corrigidas anualmente, com base na equivalência salarial da categoria profissional do proprietário original.
Mais um risco para o comprador é de perder a casa, se o último morador estiver com problemas na Justiça, o que acarretar a penhora do bem.
Outro senão é o fato de o novo adquirente ficar impedido de usar o seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), seja para quitar ou amortizar o valor do imóvel ou até mesmo para liquidar as prestações. Mais uma questão a ser avaliada é, depois da quitação da dívida, o comprador não localizar o vendedor para a assinatura de transferência legal do contrato.
Apesar de muitas vitórias na Justiça, a escolha do “contrato de gaveta” pode prejudicar quem pretende financiar outra casa pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
Neste caso, o futuro mutuário pode ter o novo pedido de financiamento negado ou dificuldade na hora de fazer cálculo de renda disponível para pagar as parcelas. Para quem tem dois imóveis financiados pelo SFH as taxas de juros são mais altas.
Para o mutuário que repassou seu imóvel a um gaveteiro, outro empecilho é referente à quitação do saldo residual da segunda propriedade. Em alguns contratos existe a cobertura do FCVS – Fundo de Compensação de Variações Salariais. Se o vendedor possuir dois imóveis em seu nome, perde o direito de quitar o resíduo.
Segundo Marco Aurélio Luz, os riscos não são apenas para quem compra, mas afetam também o vendedor que, por sua vez, pode ter seu nome incluído em órgãos de proteção ao crédito, se o adquirente deixar de quitar as prestações do financiamento por três meses.
Ainda há o perigo do proprietário legal ser acionado pela Justiça e até ter seus bens penhorados, por não pagamento da taxa de condomínio.
Como prevenir contra os danos do contrato de gaveta ?
“O melhor a fazer é recusar o ‘contrato de gaveta’. Se mesmo assim, se for essa a opção, é aconselhável que as partes envolvidas consultem um advogado para orientá-lo antes de fechar o negócio”, recomenda. “O que pode ajudar a evitar problemas futuros é se resguardar tendo em mãos uma procuração pública, reconhecida em cartório, além de guardar os comprovantes de pagamento”, ressalta.
O presidente da AMSPA aconselha uma investigação tanto do comprador como do vendedor. “Para o adquirente, o ideal é conferir se o nome do dono da propriedade está negativado. Também é preciso consultar, em cartório, a certidão de matrícula do imóvel. A consulta serve para constatar se existem parcelas em atraso ou dívidas de IPTU, entre outras precauções de ambas as partes”.
Luz acrescenta “como se vê, os riscos ocorrem tanto de um lado como de outro. A melhor forma de evitá-los é escolher os meios lícitos para realizar o sonho da casa própria. Hoje o mercado oferece várias opções de financiamento mais seguras”, informa.
SERVIÇO:
Os mutuários, que se encontram na nessa situação, podem recorrer à AMSPA para obter mais esclarecimentos. Os interessados podem entrar em contato pelo telefone (11) 3292-9230 ou comparecer em uma das unidades da entidade com o contrato e os comprovantes de quitação. Endereços das unidades e mais informações no site: www.amspa.com.br.