Prédio foi a primeira obra em concreto armado do Brasil, feito por Victor Dubugras em 1906
É possível dizer que a centenária Estação Ferroviária de Mairinque ainda é um dos prédios mais importantes do Brasil, talvez da América Latina e com certeza da cidade, no interior de São Paulo. Também pudera, além de ter dado origem ao município e fazer parte da história ferroviária do País, a Estação foi o primeiro prédio brasileiro construído em concreto armado. Inaugurada em 1906, a obra foi construída no estilo “Art Noveau”, considerada o primeiro prédio do proto-modernismo e é a primeira “estação-ilha”, isso porque tem ramais de trilhos nos dois lados. Por essas razões – e por atualmente abrigar o museu de Memória Ferroviária local e ser palco constante de apresentações artísticas -, motivos não faltam a estudantes, profissionais e curiosos para visitá-la.
A Estação Ferroviária de Mairinque foi inaugurada em 1906, mas levou cerca de dois anos para ser construída e foi projetada pelo então arquiteto francês Victor Dubugras, precursor do concreto armado no Brasil e, acreditam estudiosos, também da América Latina. O professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) de São Paulo e autor da biografia de Victor Dubugras, Nestor Goulart, conta que a Estação é, ainda hoje, importante para o País e também foi para a vida profissional do arquiteto. Goulart ressalta que o prédio ainda é foco de muitas pesquisas devido sua “ousadia e inovação” do arquiteto. Isso porque, construída no meio da floresta e numa área de difícil acesso, a estação revela – segundo o professor – a característica “inovadora” de Dubugras, por usar materiais “reaproveitáveis” numa época remota ao assunto, ainda.
“Ele usou materiais reaproveitáveis porque o local era de difícil acesso. Dubugras tinha, no projeto, que pensar em algo que suportasse solavancos diários. Era para ser uma estação-ilha e os trens não parariam nunca. A estrutura tinha que ser firme”, afirma ele referindo-se ao fato dos ferros usados para suportar o concreto e caracterizar o modelo ‘concreto armado’ serem os próprios trilhos dos trens, que já não serviam mais para a proposta original.
Além disso, nas portas da estação, por exemplo, foram usadas madeiras de pinha de riga, hoje material nobre, mas que na época era uma espécie de “tapume”, usado para embalar peças de trens e ferrovias vindos de navios da Europa. “Peças resistentes ao tempo”, garante.
O prédio, conta o professor, é o primeiro – de que se tem notícia – feito em concreto armado e foi uma novidade numa época em que o estilo ainda era neoclássico. “Naquele momento, como não se usava o ferro como sustentação de paredes de alvenaria, muito menos laje, as paredes dos prédios eram bem próximas, para que a madeira usada no forro não “envergasse’. Mas ele não, ele inovou e ousou com o que tinha em mãos. Está aí, em pé até hoje”, comemora Goulart que acrescenta: o estilo “concreto armando” só seria usado novamente no Brasil, 30 anos após a experiência de Dubugras. E como se não bastasse, todo o interior da Estação, igualmente projetada, afirma Goulart, também foi inovadora. “Essas divisórias de escritório, usadas hoje em dia de plástico e vidro, ele criou e instalou na Estação. Quer dizer, ele tinha uma genialidade brilhante”, defende.
Segundo Goulart, Dubugras tinha parentes na Europa, e por essa razão, ele estava sempre informado sobre as novidades do outro continente. “Ele sabia de tudo. As coisas estavam começando na Europa e ele já testava aqui”, garante. Bem conservada, a Estação foi revitalizada em 1999 e pertence a Prefeitura de Mairinque desde 2004. Foi tombada Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico e Arqueológico do Estado de São Paulo (Condephaat) em 1986 e pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 2002. Tema de música, livros e cenário de peças, também levou a atual administração municipal a reabrir, em 2007, o “Bar da Estação”, que funcionou de 1906 até 1980.
A título de curiosidade, Victor Dubugras criou o primeiro condomínio brasileiro, o residencial Canadá, no Rio de Janeiro, e construiu prédios como o paço de Santos, a Matriz de Ribeirão Preto e o palácio presidencial de Salvador, na Bahia.
Fonte: jornal Cruzeiro do Sul, matéria publicada em outubro de 2007, fotos de Adival Pinto.